Cantores gospel recebem até R$ 250 mil de prefeituras por shows pagos com dinheiro público
- Marcelo Damasceno
- 20 de mai.
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Por Marcelo Damasceno
Eles cantam sobre humildade, pregam o serviço, se emocionam com letras sobre cruz, sacrifício e simplicidade. Mas quando o assunto é cachê de show, o céu é literalmente o limite. Um levantamento exclusivo, feito com base em portais da transparência, diários oficiais e documentos públicos, revela uma realidade que muitos suspeitavam, mas poucos tinham coragem de expor: o mercado gospel virou um negócio milionário.
Enquanto o discurso nos palcos é sobre fé e renúncia, os bastidores revelam cachês que rivalizam — e até superam — o mercado da música secular. Detalhe: muitos desses pagamentos vêm diretamente dos cofres públicos municipais, por meio de contratos feitos sem licitação.
Cachês milionários e contratações por inexigibilidade
A cantora Aline Barros recebeu R$ 250 mil da prefeitura de Santa Maria da Boa Vista (PE) por uma única apresentação. Em Caruaru (PE), Cassiane levou R$ 220 mil. A jovem revelação Maria Marçal já atingiu a marca de R$ 210 mil em Zé Doca (MA). Outros nomes como Thalles Roberto e Bruna Karla aparecem com cachês de R$ 200 mil em eventos de menor porte, como Angicos (RN).
Outros artistas gospel com altos cachês incluem Anderson Freire, Midian Lima, Samuel Mariano, Damares, Fernandinho e Jefferson & Suellen, com valores variando entre R$ 120 mil e R$ 200 mil.
Grande parte dessas contratações foi feita por dispensa de licitação, por meio do instrumento conhecido como inexigibilidade — mecanismo legal usado quando há “inviabilidade de competição”. Na prática, isso significa que não houve concorrência, nem estudo de custo-benefício para justificar o gasto. E, em muitos casos, sem prestação de contas detalhada.
Ministério Público na mira das contratações
Diante dos altos valores e da falta de transparência, o Ministério Público de diversos estados abriu investigações para apurar possíveis irregularidades. O foco é avaliar o uso de verbas públicas em shows religiosos, especialmente em cidades com baixos indicadores sociais e orçamentos limitados.
Prefeitos se defendem alegando que os eventos são ações culturais que “movimentam a economia, promovem turismo e oferecem lazer à população”. Apesar disso, nas redes sociais, a reação tem sido de indignação: “alegria pra quem?”, questionam muitos internautas, ao verem cifras tão altas associadas à fé e bancadas com recursos públicos.
Crise de coerência dentro das igrejas
O incômodo não vem apenas da sociedade civil. Dentro do próprio meio evangélico, o tema virou motivo de debates intensos. Pastores, líderes e fiéis vêm questionando a coerência entre o discurso bíblico e a prática mercadológica adotada por artistas gospel.
A contradição entre pregar humildade e cobrar cifras exorbitantes em eventos financiados com dinheiro público tem provocado uma crise ética. Em muitos templos, surgem apelos por uma volta à simplicidade e à integridade, sem perder o compromisso com o testemunho cristão.